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Exclusividade e venda casada: os impactos da ‘guerra do delivery’ nos restaurantes

01/10/2025
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Guerra do delivery traz impactos para restaurantes que estão dentro dessas plataformas — Foto: Capuski/Getty Images

A chegada de novas empresas de delivery no Brasil tem gerado disputas que já chegaram aos tribunais. Nos últimos meses, a chinesa Keeta e a brasileira Trela acusaram rivais de práticas anticoncorrenciais envolvendo contratos de exclusividade com restaurantes. Na última segunda-feira (25/9), a Associação Brasileira de Restaurantes (Abrasel) protocolou uma representação formal contra o iFood no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por práticas anticompetitivas, que incluem venda casada e o controle da operação de parceiros. Em nota, o iFood diz que não foi notificado e reafirma que cumpre integralmente a legislação antitruste.

Em 2023, o Cade já havia firmado um acordo com o iFood para limitar contratos de exclusividade da plataforma com restaurantes. A medida foi resultado de investigações que apontaram indícios de abuso de posição dominante por parte da empresa, que impunha compromissos de exclusividade capazes de dificultar a entrada de concorrentes no mercado.

Pelo acordo, redes com mais de 30 unidades ficaram impedidas de firmar contratos exclusivos com o iFood, enquanto marcas menores passaram a ter restrições de tempo e uma quarentena de um ano após o término dos contratos. O termo também proibiu cláusulas de paridade de preços e práticas que restringissem promoções ou publicidade em plataformas rivais, estabelecendo regras com vigência de 54 meses.

No contexto atual, com a entrada de Keeta e 99Food no mercado, mais do que uma competição entre empresas de delivery, essas movimentações impactam os negócios que estão nessas plataformas. “Para bares e restaurantes, as perdas são relevantes, pois, ao inibirem a concorrência, esses contratos [de exclusividade] os submetem a taxas altíssimas”, diz a Abrasel em nota enviada a PEGN. Segundo a associação, o impacto chega também ao consumidor final, que é submetido a preços até 30% mais altos do que os praticados no salão.

A escolha por plataformas de delivery é uma maneira de complementar a atuação de um restaurante, o que envolve uma operação diferenciada, que precisa pensar em embalagens e entregas, por exemplo. “O delivery permite atender mais clientes do que a limitação física. É algo interessante para o planejamento da operação”, diz Rafael Fraga Silveira, consultor da Falconi. A diversificação do mercado de plataformas de delivery é uma oportunidade para os negócios ganharem mais visibilidade; porém, decisões contratuais podem afetar o sucesso desses restaurantes.

Contratos de exclusividade: o que avaliar
Segundo especialistas, os contratos de exclusividade firmados com plataformas de delivery exigem que o restaurante opere apenas por aquele canal digital, impedindo que ofereça seus produtos em outras plataformas. “Podem trazer cláusulas de permanência mínima, metas de vendas ou prazos de rescisão bastante rígidos”, acrescenta Marcela de Farias Velasco, coordenadora da área cível e de contratos na Andrade Silva. Em alguns contratos, segundo a profissional, há também a padronização de campanhas promocionais. “Isso reflete na liberdade do restaurante de gerir sua própria estratégia comercial”, aponta Velasco.

Em um contexto geral, segundo a advogada, estes contratos aumentam a dependência de um negócio. “Se houver mudanças nas regras da plataforma ou aumento futuro das taxas, o restaurante fica sem alternativas”, exemplifica.

No entanto, esses contratos costumam vir acompanhados de vantagens. “A exclusividade pode vir acompanhada de condições comerciais mais vantajosas, como taxas reduzidas, maior exposição na plataforma e até suporte em campanhas de marketing. Isso pode representar ganho de visibilidade, aumento no volume de pedidos e, consequentemente, crescimento das receitas”, esclarece Velasco.

Para os pequenos restaurantes, o impacto pode ser ainda maior, já que a estrutura para diversificar canais de venda ou negociar condições especiais não é a mesma. “Esses negócios podem até ganhar visibilidade no curto prazo, mas correm o risco de se tornarem reféns da plataforma, sem margem para buscar alternativas”, opina. Nesses casos, a análise do contrato deve ser ainda mais criteriosa, já que a escolha pode até mesmo comprometer o tempo de existência da empresa.

Para decidir sobre aceitar ou não um desses contratos, a advogada acredita que o ponto-chave é avaliar a sustentabilidade do negócio a médio e longo prazo. “O empreendedor deve analisar se o ganho imediato em taxa ou visibilidade compensa a limitação de estar atrelado a um único parceiro.” Ela sugere que o empreendedor se faça perguntas e imagine alguns cenários antes de tomar a decisão, como:


Como ficariam as vendas se a plataforma alterasse sua política?
O restaurante tem base de clientes própria, fora do aplicativo?
A exclusividade está alinhada com a estratégia de crescimento da marca?
Para Silveira, também é importante levar em consideração o comportamento do cliente final. “É comum que o usuário escolha o aplicativo favorito, mas ele também pode estar testando uma nova plataforma que tenha benefícios melhores e migrar para ela”, analisa. Novos clientes também podem chegar por meio de outras plataformas, caso sejam oferecidos descontos.

Para quem está começando no delivery, estar em uma plataforma consolidada e em outra mais recente também pode ser uma estratégia para alcançar mais espaço em um aplicativo com variedade menor de restaurantes.

Ele acredita que, nos casos em que o delivery corresponde à maior parte do faturamento de um negócio, é arriscado fechar um contrato de exclusividade com alguma plataforma. “Se mudar qualquer regra, pode ser um problema para o negócio”, reforça. "Se o delivery for uma atuação secundária, representando até 10% do faturamento, e, se as condições do contrato forem boas, pode ser uma alternativa."

Venda casada e alegações contra o iFood
No caso do iFood, a Abrasel alega que a plataforma impõe venda casada, obrigando os estabelecimentos a usar a solução de subcredenciamento para processar pagamentos com cartão. As taxas chegam a até 3,5%, enquanto a média do mercado seria de 2,28%.

"Condutas desse tipo aumentam o custo por pedido, reduzem a margem dos restaurantes e geram um 'efeito-sombra' no ranqueamento do app para quem não adere aos serviços vinculados, o que tende a diminuir a visibilidade e as vendas desses estabelecimentos", analisa Rafael Luzzin, advogado especializado em direito empresarial e sócio do Benites Bettim Advogados.

Para a Abrasel, o controle do iFood sobre os parceiros se intensifica devido à API proprietária, que dificultaria a integração com outros sistemas, e ao lançamento do iFood Salão, que propiciaria um domínio da plataforma que vai além do delivery. "Quando a mesma empresa fornece delivery, logística, pagamentos, crédito, publicidade e até soluções para o salão, ela passa a controlar vários pontos críticos da operação, como dados, meios de pagamento, fluxo de pedidos", esclarece Luzzin.

Segundo o advogado, em contratos de adesão, cláusulas que condicionem serviços como a contratação dos meios de pagamento da própria plataforma ou criem vantagem exagerada podem ser declaradas abusivas.

“O que estamos denunciando não é apenas uma disputa comercial sobre taxas; é uma luta pela sobrevivência e pela liberdade de escolha dos restaurantes brasileiros”, afirmou em nota Paulo Solmucci Jr., presidente da Abrasel.

Em nota, o iFood afirma não ter recebido notificação sobre o caso. "O iFood informa que não foi notificado e reafirma que cumpre integralmente a legislação antitruste. Como empresa brasileira, seguimos com o compromisso de desenvolver o setor de delivery e oferecer a melhor plataforma para entregadores, consumidores e restaurantes, além de oferecer o melhor serviço em todas as suas verticais de operação", diz.


Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios

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